terça-feira, junho 06, 2006

O Que é Ser Romântico

Para a maioria das pessoas, a palavra “romântico” tem a ver com comportamentos afectuosos e gestos de delicadeza que expressam o afecto que uma pessoa sente por outra. Neste ponto de vista, o “romântismo” apresenta-se como uma “estética da lamechice”. Um homem que goste de oferecer flores, de ouvir música melosa, que aprecie poemas líricos, será facilmente considerado romântico.
O meu ponto de vista distancia-se totalmente desta imagem e, como tal, irei aqui tecer algumas considerações.

O romantismo é, em primeiro lugar, um estilo de pensamento que surgiu várias vezes ao longo da história. A fase mais conhecida é a que emergiu no final do século XVIII e que ganhou grande notoriedade ao longo do século XIX.

Neste período, houve um número de pensadores que reagiram à primazia que era dada à Razão. A transformação cultural que o Iluminismo operou no pensamento dominante das sociedades ocidentais veio dar uma importância desmedida aos critérios de objectividade, de observação distanciada e de raciocínio lógico. As emoções, a imaginação e tudo o que apresentava uma natureza ambígua eram rejeitados pelo racionalismo iluminista. É contra a este prisma frio e geométrico que nasce o pensamento romântico, daí que também seja chamado contra-iluminismo.
O romantismo está presente na filosofia, na literatura, na música e nas artes visuais. Tem aparecido sob muitas formas e deu origem às mais diversas escolas. No entanto há algo de essencial, há uma matriz sem a qual nenhum movimento se pode chamar “romântico”. Qualquer romântico está especialmente interessado na esfera das emoções e na fantasia. Isto porque a única coisa que realmente interessa é o Homem na sua originalidade e diversidade, na sua capacidade de surpreender e de causar deslumbramento. O espírito humano é, sem sombra de dúvida, a arena onde os românticos desenrolam os seus combates. Tentar compreender as características do espírito recorrendo a análises frias, “cientifistas”, procurando a exactidão matemática, é uma tarefa que tem tanto de vã como de enfadonha. A alma humana é de tal forma complexa que não pode ser compreendida pela razão. Além disso, explicá-la racionalmente é matar o seu deslumbramento.
Um conceito muito importante para compreender o romantismo é o de catarse. A catarse é uma espécie de purga emocional. Foi um termo definido por Aristóteles para descrever estados de grande tensão através dos quais a alma “despeja” as emoções para o exterior, produzindo uma sensação de alívio. Se o leitor assistiu ao filme Titanic, quando este estreou no cinema há já alguns anos, terá provavelmente presenciado alguns momentos catárticos. O filme deu a milhares de adolescentes a oportunidade de viver um grande drama, de mergulhar nas emoções das vítimas e de chorar profundamente. Eu confesso que nunca vi tanta gente chorar numa sala de cinema como quando fui assistir ao Titanic. Os românticos gostam da catarse e de a provocar nos outros. Os Miseráveis de Victor Hugo, a Fur Elise de Beethoven ou os quadros do sublime têm em comum o facto de provocarem emoções fortes, e daí, a catarse.
A noção de genuinidade está quase sempre presente no coração romântico. Estes pensadores apreciam o que está em estado bruto, ou seja, o que não foi pervertido e que reflecte uma natureza primordial. Muitas vezes apontam o dedo acusador à “sociedade” que reprime e perverte a inocência natural da espécie. Sociedade, civilização e religião são conjuntos de normas que espartilham a liberdade humana. A liberdade criativa e de expressão das emoções é o bem mais valioso que existe. A submissão às regras morais e às leis é o mais violento atentado feito à criança dentro de nós.
Há pessoas que se surpreendem quando me ouvem dizer que o satanismo literário é uma corrente do romantismo. Claro que Lúcifer nada tem a ver com as lamechices vulgarmente atribuídas ao espírito romântico. No entanto, Lúcifer é uma metáfora da natureza humana e Deus é um símbolo das normas sociais, da ordem e da repressão. O Príncipe das Trevas é um ser que cede aos impulsos carnais, que procura o excesso e a transgressão. É uma personalidade genuína, ou seja, que não vive sob a hipocrisia civilizacional nem se deixou “domesticar” pela moral castradora da sociedade. Lúcifer é uma personagem que “encaixa” perfeitamente no ideal romântico.
Um outro aspecto desta corrente é o problema das origens. Nos séculos XVIII e XIX houve, por parte de muitos teóricos, uma grande preocupação com a genealogia da sua sociedade e das instituições que lhe subjazem. Existem trabalhos sobre a origem da família, do casamento, da propriedade privada, da proibição do incesto, etc. A maioria espelha uma visão evolutiva da cultura, uma espécie de teoria evolucionista de Darwin aplicada às sociedades. Algumas dessas análises descrevem um processo de degradação. Isto é, à medida que a sociedade ocidental foi ficando mais complexa (mais “civilizada”) os indivíduos foram perdendo a inocência e passaram a basear as suas vidas em morais hipócritas e castradoras. Nunca houve um consenso acerca da verdadeira origem nem sobre o processo de degradação. No entanto, os românticos andaram sempre à procura de seres humanos genuínos no presente. Ora, se a sociedade ocidental era encarada como um mal por excelência e a origem de toda a falsidade e corrupção, quem nela não estivesse integrado seria de certeza bom e genuíno. Os povos de outras culturas (que não eram vistos como civilizados) seriam, portanto, constituídos por indivíduos inocentes e verdadeiros. Como exemplo cito a obra de Jean-Jacques Rosseau sobre o “bom selvagem”. Não eram apenas os outros povos que tinham indivíduos “em estado primitivo”. Os ocidentais que não estavam integrados na sociedade eram muitas vezes vistos como primitivos. Os “loucos”, os deficientes rejeitados, os criminosos e outros marginais reflectiam a genuinidade humana e simultaneamente eram as maiores vítimas da maldade civilizacional.
O romântico é uma espécie de alquimista, sempre à procura de uma essência no seio da condição humana. Pretende algo de absoluto que o faça levitar e que o leve para um reino de emoção e fantasia em estado puro, longe da podridão das normas sociais.

O que o leitor talvez não saiba é que o romantismo é um fenómeno cíclico nas sociedades ocidentais. A primeira aparição deste fenómeno deu-se com a emergência da escola cínica na Grécia. Defendia que o Homem devia existir em si próprio e para si próprio, aparte da sociedade. Para estes filósofos, a sociedade era um aglomerado de convenções e de artificialidades. Mais tarde, a palavra cínico tornou-se epíteto de quem despreza as normas, instituições e os outros seres humanos. Há quem afirme que um verdadeiro romântico tem que ser necessariamente um cínico. Eu concordo em parte com esta afirmação. Uma vez que um romântico está constantemente à procura de uma essência conformada por um ideal de genuinidade, as desilusões são frequentes. Daí que acabe mais tarde ou mais cedo por encarar a humanidade como um rebanho de ignorantes e corrompidos.
O último aspecto do carácter romântico que irei descrever neste artigo é a apetência pelo obscuro. Como já foi dito, existe um grande interesse pelo espírito humano no romantismo. Acontece que, para muitos, este espírito reside escondido por detrás da fachada que todos apresentamos durante as relações sociais. Se o ser humano fosse um iceberg, seria a parte submersa que interessaria aos românticos. Tudo o que está oculto estimula a imaginação e tende a provocar emoções mais intensas. O romântico quer ser uma criança que olha para um quarto escuro, treme de medo e dá largas à fantasia.
Finalizo este texto da mesma forma que o iniciei: negando a imagem comum do romântico como um ser “muito bonzinho” dado a comportamentos lamechas e líricos. Romântico é alguém que valoriza as emoções acima de tudo e que sente uma necessidade profunda de genuinidade. Desafio o leitor a explorar algumas correntes associadas ao romantismo: o surrealismo, o simbolismo, o nacionalismo, o gótico, o satanismo e o expressionismo. Também vale a pena comparar a teoria do inconsciente de Freud e a psicanálise em geral aos pressupostos fundamentais do romantismo.

Alguns escritores românticos:

- Victor Hugo

- Marquês de Sade

- Alexandre Dumas

- William Blake

- Mary Shelley

- Lord Byron

Alguns compositores românticos

- Ludwig van Beethoven

- Richard Wagner

- Franz Schubert

- Johannes Brahms

- Tchaikovsky

- Sergei Rachmaninoff

3 comentários:

FILIPE BRANCO disse...

Realmente percebo a perspectiva da vislumbração do "oculto" como parte do romantismo mas para mim algumas correntes que terás mencionado fazem me crer no epipeto do cinismo e do egoismo pois proclamam uma satisfação e deslumbramento pessoal e intrasmissível... Ora o romantico ao partilhar as suas emoções e visões do mundo deixa que as suas criações ganhem outras formas para além da intenção inicial com que foi criada deixando q outros se dislumbrem como ele assim o fez...


http://olhemparaisto.blogs.sapo.pt

Anónimo disse...

Ser romântico é viver em funçao da pessoa que mais amamos.

Anónimo disse...

O pior é se não somos correspondidos.... mas nesse caso é ser masoquista.