domingo, julho 04, 2010

Sedução, Publicidade e Demagogia

«Se o objectivo do jogo é vencer, então o batoteiro é o único verdadeiro jogador » - Jean Baudrillard

A sedução pode ser definida como um processo através do qual se incita deliberadamente uma pessoa em direcção a uma resposta comportamental pré-determinada. Há muitas áreas onde a indução dos comportamentos se faz sentir. No entanto, a palavra “sedução” parece empurrar-nos para um tipo muito específico de influência : a sedução sexual. A sexualidade utilizada como instrumento para “regular” os comportamentos dos outros é sem dúvida um aspecto importante nas sociedades ocidentais. Contudo, é necessário salientar que há muitas formas de sedução para além da manipulação erótica.
Uma questão relevante dentro desta temática tem a ver com a relação entre sedução e poder. Serão a mesma coisa, uma vez que o poder pode ser definido como a capacidade de alguém impor a sua vontade aos outros? Ambos existem sempre em situações relacionais. Isto é, tem-se poder em relação a alguém e a sedução é sempre dirigida a outra pessoa. Portanto, não se pode dizer que “o sujeito x tem poder” ou que “tem sedução”. O poder e a sedução existem sempre num quadro de relações sociais. Apesar deste aspecto em comum, o poder envolve um leque de estratégias de controlo mais vasto. A coerção é um exemplo de poder que não diz respeito à sedução. Na minha opinião, a sedução é um dos aspectos do poder. Não são a mesma coisa mas o segundo engloba o primeiro.
A sedução baseia-se nos conhecimentos que um dado indivíduo possa ter relativamente ao perfil psicológico dos outros e à mestria de determinados métodos de persuasão. De uma forma simplificada pode-se dizer que seduzir é fazer alguém sentir a necessidade de levar a cabo uma determinada acção.
A questão das necessidades dos seres humanos é extremamente vasta e complexa. Todos conhecemos as necessidades fisiológicas (que procuram repor um determinado equilíbrio no organismo), os princípios de evitação da dor e de procura do prazer, as necessidades sociais (ou gregárias) e as culturais (às quais somos conformados desde a infância). No entanto, todas estas forças motivacionais podem ser manipuladas (transformadas na consciência do sujeito individual) e existe a possibilidade de fazer emergir novas necessidades. Eu não pretendo neste artigo classificar umas de “reais” e outras de “artificiais”. Parece-me inútil tentar definir a “genuinidade” de uma força motivacional. O importante é tentar descrever a dinâmica das necessidades para perceber como o comportamento dos indivíduos pode ser influenciado.
Um dos aspectos mais importantes da sedução é a criação de estados liminares. Uma condição liminar é aquela que existe entre dimensões, não é uma coisa nem é outra. Não tem uma categoria específica. Estes estados provocam quase sempre o fascínio e estimulam a imaginação. O crepúsculo (entre o dia e a noite), os géneros indefinidos (travestis, transsexuais, hermafroditas…), as encruzilhadas entre caminhos, são alguns exemplos de liminaridade. Nalgumas culturas, estas “zonas intermédias” têm conotações com o mundo da magia e do sobrenatural. A forma como são percebidas pelos seres humanos escapa aos mecanismos de categorização do real. Daí que sejam extremamente susceptíveis de evocar emoções e conduzir à fantasia. É por isso que a liminaridade é tão importante quando falamos de sedução. Para a sedução acontecer o sujeito tem que deixar fugir a estabilidade do real. Tem que se encontrar perante uma situação que não consegue explicar.
Há quem veja a sedução como um jogo, com regras próprias, no qual sedutor e seduzido dialogam através de estratégias comuns. Nada poderia estar mais longe da verdade. A sedução baseia-se na transgressão de normas, na desestabilização da consciência do sujeito e na subversão da percepção do real. Trata-se de um jogo de poder no qual a regra é a batotice. Consiste em fazer com que o sujeito perca o controlo consciente da situação e seja levado pelas “fintas” do sedutor. Para que o leitor compreenda melhor a “natureza batoteira” desta área passo a descrever, como exemplo, um possível “modelo” de sedução:
· Colocar o sujeito perante um objecto apetecível, ou seja, perante um ser que tem o potencial de satisfazer as suas necessidades mais imediatas.
· Procurar desinibir o sujeito.
· Criar um ambiente propício a que o sujeito se envolva, colocando-o num contexto que lhe parece “familiar” (e seguro).
· Evocar emoções ou sentimentos agradáveis e elementares (alegria, vaidade, curiosidade...)
· Ter sempre a preocupação que o sujeito tenha dificuldade em identificar o que sente. Provocar uma separação entre o que o sujeito sente e a consciência (reconhecimento) das suas próprias emoções ou sentimentos.
· Contornar a capacidade de antecipação do sujeito. Todos nós conseguimos, até certo ponto, prever as acções dos nossos interlocutores. Essa capacidade permite-nos “controlar” as situações e os nossos estados de espírito. Daí que o sedutor tenha que surpreender, contornando as “defesas” mentais do sujeito.
· Tentar que o sujeito confunda o que sente com o que o sedutor pretende que ele sinta.
· Dar a iniciativa ao sujeito para ir ao encontro do objecto. Nunca “empurrar” o objecto em direcção ao sujeito.
· Fazer um jogo de aproximação-distanciamento entre o sujeito e o objecto. Não se deve deixar que o sujeito alcance na totalidade o objecto, uma vez que isso provocaria o fim da motivação. Não se deve afastar completamente o objecto, uma vez que isso provocaria a resignação do sujeito. Este jogo de aproximação-distanciamento vai fazer com que o desejo aumente.

Como é óbvio, não há “fórmulas” concretas de sedução. O acto de seduzir é sempre um exercício de criatividade adaptado às características individuais do sujeito.
A expressão “sedutor” é muitas vezes utilizada com uma conotação negativa. O sedutor (ou sedutora) é frequentemente associado a actos de vigarice fria e calculista, como se tratasse de um burlão que se aproveita dos sentimentos dos outros para atingir objectivos egoístas. De facto, o mundo está cheio de oportunistas, com uma incapacidade para a empatia, e que, instrumentalizando os outros, conseguem obter benefícios pessoais. No entanto, eu não classifico estes indivíduos como sedutores. Isto porque a sedução é um jogo de criatividade que precisa de uma motivação emocional, ou seja, o sedutor tem que ser estimulado para que a sua fantasia possa nascer. Na minha opinião, há três “ingredientes” fundamentais que tornam um sedutor competente: a criatividade, o conhecimento sobre a natureza humana e a paixão. O sedutor mais motivado para “encantar” é aquele que já foi encantado. Normalmente, os oportunistas frios e calculistas são maus sedutores. Conseguem alcançar os seus intentos seleccionando “alvos” vulneráveis e utilizam quase sempre os mesmos estratagemas. Há pouca criatividade. Há é sentido de oportunidade.
Até agora analisei apenas a manipulação dos comportamentos no contexto das relações interpessoais. Este é um tipo de influência que se procura exercer sobre um único indivíduo ou sobre um pequeno grupo. Tão (ou ainda mais) fascinante é o “controlo mental” dirigido às massas. A preocupação com o imaginário e com a opinião dos colectivos deu origem, ao longo do século XX, a indústrias poderosíssimas de publicidade (com o intuito de promover a venda de bens de consumo) e de propaganda (com objectivos políticos). Estas instituições são, no fundo, fábricas de cultura. Ou seja, são mecanismos que promovem a transformação das visões do mundo, dos comportamentos e dos “estilos-de-vida”. Para levar a cabo esta tarefa, uma agência de publicidade terá que elaborar estratégias para “fintar” o espírito crítico das pessoas que constituem o alvo da campanha. A publicidade vai buscar algum conhecimento relativo à psicologia das relações interpessoais mas tem, sobretudo que se socorrer dos meios de influência visual. Passo a descrever algumas estratégias da publicidade patentes em anúncios televisivos, outdoors, etc:
- A ambiguidade entre várias formas de prazer. Quando o bem de consumo tem como principal função dar prazer ao seu consumidor o publicitário procura reforçar esta noção acrescentando outras formas de prazer. Por exemplo, os anúncios de doces (gelados, bombons, etc) estão quase sempre carregados de conotações eróticas. O erotismo tem, necessariamente, que ser implícito uma vez que o que se pretende é aumentar a ideia de prazer em abstracto.
- As cores. Quando se trata de promover um objecto a cor é um assunto importante. Objectos dirigidos ao prazer efémero têm, normalmente, cores quentes (vermelho, amarelo e dourados). Quando se procura que um produto evoque a excelência do progresso científico os tons eleitos são os metálicos (prateados, cromados, etc). O azul e o verde são também muito utilizados pela indústria informática.
- Casar o objecto com uma identidade pessoal. O slogan Só Para Homens é um exemplo de como um after-shave pode ser transformado num símbolo de masculinidade (isto é, de identidade masculina). Uma campanha que eu achei particularmente interessante foi a da citroen envolvendo a modelo Cláudia Schiffer. Eu ouvi várias interpretações simplistas quanto à estratégia por detrás desta campanha. A mais vulgar que eu ouvi foi: “Eles querem que a gente pense que se comprar o citroen xara leva também a Cláudia”. Se a mensagem dos anúncios fosse assim tão directa não teria funcionado. Realmente, a campanha dirigia-se a um público maioritariamente masculino. No entanto, a estratégia era outra. Um dos anúncios terminava com o seguinte slogan: “Citroen Xara, instinto protector!”. Era nesta frase que poderíamos encontrar a verdadeira estratégia publicitária. Todo o enredo do spot procurava transmitir uma ideia de protecção e segurança para o ocupante do automóvel (a Cláudia). No nosso “inconsciente colectivo” a identidade masculina alicerça-se muito na função protectora em relação à mulher. Ao transmitir a ideia que o Citroen Xara é muito protector, a campanha conseguiu transformar um veículo mecânico num símbolo de masculinidade. A modelo Cláudia Schiffer foi bem escolhida, uma vez que cumpre a função de símbolo de feminilidade. Este tipo de estratégias funciona muito bem, uma vez que as pessoas estabelecem ligações (agregam-se) a objectos que têm a sua identidade. Um indivíduo sente-se “mais homem” se adquirir objectos conotados com a masculinidade.
- Os teasers. Um “teaser” é um anúncio com apenas parte da mensagem que se procura transmitir. É um método que visa provocar a curiosidade no sujeito. Pode funcionar, uma vez que capta a atenção e põe o indivíduo a pensar. No entanto, existe sempre o risco de desiludir quando a segunda parte da mensagem for exposta.
- O discurso oral. A publicidade foi buscar aos grandes oradores da história as estratégias para transmitir ideias através da voz. Seja via rádio ou através da voz-off de um anúncio televisivo, o método é quase sempre o mesmo: frases simples e perceptíveis por todos, em alto e bom som, repetidas sucessivas vezes. O tom de voz deve inspirar determinação (enérgico) mas deve ser em simultâneo descontraído e muito apelativo.
- Objectos que criam necessidades. Uma criança que compre uma barbie está necessariamente a comprar também um “conjunto de necessidades”. Mais tarde ou mais cedo, a barbie vai “precisar” de uma panóplia de adereços (roupas, o amigo Ken, etc). Quem compra uma consola de jogos, adquire a “necessidade” de periféricos (manípulos, memórias, câmaras, etc). Neste tipo de objectos, a publicidade procura “demonstrar” ao consumidor o poder que o produto oferece. A necessidade de adquirir objectos acessórios tem a ver com uma lógica de expansão do poder individual. Para a criança que tem uma barbie comprar o Castelo Mágico significa expandir o universo das brincadeiras, ou seja, ter mais poder de opção.
- A credibilidade de uma figura pública. Apresentar num anúncio alguém que é conhecido por todos e usar essa figura para “aconselhar” o espectador é criar uma “garantia” de honestidade («Este tipo não vai mentir porque toda gente o conhece»). Além disso, a figura pública induz um clima de familiaridade que aproxima o espectador do produto publicitado.

Na publicidade política (propaganda) estão, e sempre estiveram, grandes manipuladores. Adolph Hitler, com todos os defeitos que se lhe conhecem, foi um estratega extremamente eficaz no que toca à propaganda. Passo a descrever alguns aspectos desta “competência” hitleriana:
- A criação da bandeira nazi. Hitler foi buscar a suástica ao ocultismo alemão, colocou-a sobre um disco branco centrado numa bandeira vermelha. Criou um ícone extremamente forte, de reconhecimento imediato e singular. Utilizou-o invertendo a lógica do simbolismo. Um símbolo é sempre a representação de algo que já existe; a bandeira nazi é a representação de algo que está para vir.
- Como orador, gritava electrizando a multidão, transmitindo uma imagem de força e de certeza. A pose era firme, só a cabeça e os braços mexiam. O gesticular de Hitler foi treinado, procurando mimetizar os “passes mágicos” de um ilusionista. Tudo isto para criar uma aura sobrenatural, acrescida pelo seu olhar penetrante iluminado pelo azul intenso dos olhos.
- O discurso simples e furioso ia ao encontro dos sentimentos das massas. Descrições maniqueístas dividiam a Alemanha entre os absolutamente bons (arianos) e os absolutamente maus (judeus). Citando o próprio Hitler: «não se pode apontar vários inimigos ao povo senão o ódio dispersa-se; só pode haver um único inimigo para que a mobilização seja absoluta.».

Já o “nosso” Salazar não era tão dotado para a manipulação popular. No entanto, a capacidade que lhe faltava para gerir o espírito das multidões era compensada por uma profunda destreza no “um-para-um”. Tinha:
- Uma intuição quase sobrenatural para detectar as ambições dos que o rodeavam.
- Conseguia esconder as suas intenções e fazer com que as pessoas o conduzissem ao poder.
- Fingia-se de fraco para que os adversários tivessem confiança suficiente para mostrar a cara.
- Colocava-se quase sempre numa “posição neutral” entre as forças dominantes, de maneira a poder geri-las.

Os políticos das chamadas “democracias ocidentais” são mais completos, na minha opinião, no que toca a estratégias de manipulação:

- Utilizam ícones simples e apelativos nas campanhas.
-Têm uma aparência que procura evocar “estabilidade”, “bom senso” e “moderação”. Predominam os fatos azuis-escuros e cortes de cabelo discretos. O professor Cavaco Silva surgiu no segundo mandato enquanto primeiro-ministro com umas “entradas brancas”, que transmitiam uma certa “maturidade”.
- No discurso evitam formular opiniões que os comprometam.
- Utilizam frequentemente expressões como “democracia”, “liberdade”, “desenvolvimento”, “progresso” e “futuro”. Estas expressões foram sempre de difícil definição e, graças ao uso indiscriminado, foram perdendo o significado concreto. Actualmente, são palavras que não querem dizer nada mas que evocam sentimentos positivos nas massas.
- São mutantes eternos e constantes. A identidade política de cada um é inconsistente, fluida, de forma a permitir a sobrevivência do político em qualquer contexto. São muito dinâmicos os políticos profissionais das “democracias parlamentares”.
- Nunca negam o que é óbvio. Afirmam-no de maneira a ganhar credibilidade.
- Procuram transmitir uma imagem de descontracção e bom humor. Mostram que têm muitos amigos e que o povo está com eles. Isto dá-lhes uma imagem de poder.
- Gostam de tornar pública uma imagem de vida familiar estável. Desta forma, conseguem uma empatia com o público.
Eu não considero que os políticos e os publicitários na sua maioria sejam verdadeiros sedutores. Como eu procurei explicar, a sedução pressupõe um envolvimento emocional entre sedutor e seduzido. A manipulação presente na publicidade e na demagogia não tem a emoção e a fantasia como principais fontes de motivação. Não excluo a possibilidade de um político se apaixonar pelo povo e conseguir seduzí-lo através da expressão do seu deslumbramento. No entanto, a maioria serve-se de técnicas por demais conhecidas. A capacidade de surpreender é quase nula na política e na publicidade, e isto é um sintoma do distanciamento entre quem manipula e o objecto da manipulação.
A sedução é algo maravilhoso. É a arte de fazer com que os outros sintam o que nós sentimos.