quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Pedagogia e a Noção de Pessoa

A capacidade de produção e de compreensão de enunciados está dependente da assimilação de habitii, de estruturas mentais dinâmicas que tornam possível a acção com autonomia. Um habitus é criado interiormente pelo sujeito quando este se entrega a uma determinada prática com concentração e motivação. Daí que os antigos modelos pedagógicos baseados no arco reflexo do behaviorismo, que tinham como pilares as noções de repetição e recompensa, falhem no que toca aos aspectos criativos da aprendizagem. Aprender não pode ser apenas decorar os enunciados de um conhecimento fechado. Há que abrir espaço ao aluno para que este conforme o conhecimento aos seus próprios parâmetros mentais e motivações, estimulando-o para a descoberta e exploração dos domínios do saber. A experiência diz-me que a maioria dos alunos quer ser protagonista e não apenas sujeito no processo de aprendizagem.
A didáctica das disciplinas deve conduzir, por um lado, à aquisição de competências de utilidade imediata e de esquemas cognitivos que facilitem futuros processos de aprendizagem, e, por outro, à formação de uma identidade moral e crítica que faça nascer cidadãos empenhados e participativos.
Muitos alunos do segundo ciclo do ensino básico encontram-se numa fase de transição, no que diz respeito à maturidade cognitivo-emocional, entre o Estágio Operatório Concreto e o Estágio das Operações Formais na Teoria Construtivista de Piaget. Daí que as suas competências estejam mais desenvolvidas no que diz respeito à capacidade de classificação e de agrupamento, de reversibilidade e linguagem socializada, e menos na capacidade de pensar sobre hipóteses e ideias abstractas ou na linguagem com suporte do pensamento conceptual. Isto não quer dizer que se deva adoptar uma postura paternalista durante o processo de ensino. Se, por um lado, os alunos não estão ainda preparados para projectar lógicas de pensamento de carácter abstracto ou filosófico, há capacidades que, nestas idades, oferecem um enorme potencial de aprendizagem que cabe ao docente dinamizar.
Na minha opinião existe um paternalismo estéril na atitude de muitos professores e encarregados de educação face à relação pedagógica com crianças deste grupo etário. Tal atitude tem como princípios duas noções: a do bom selvagem (de Jean-Jacques Rousseau) e, outra mais prosaica, que idealiza o jovem na puberdade como uma espécie de adulto menos capaz (como um adulto frágil e diminuído física e intelectualmente). A primeira noção retrata a criança como um ser inocente, com pulsões desenfreadas e quase incapaz de ser responsável autonomamente. A segunda leva o professor ou tutor a negar ao jovem o acesso à “aventura” e à “exploração” de temas e exercícios nunca antes desenvolvidos. Esta segunda noção parece-me ser a mais castradora e com consequências mais nefastas. O aluno é abalado na sua auto estima, uma vez que se sente “encapsulado” pela ideia que o professor faz dele. Nunca será capaz de demonstrar que consegue ir mais longe nem de obter o reconhecimento devido. Além deste aspecto, como não lhe é reconhecida a capacidade de ser responsável e autónomo, o jovem aliena-se da estrutura social escolar. Isto pode resultar em comportamentos infantis ou, simplesmente, em não levar a sério o processo educativo que o enquadra.
Ao projectar a forma como vai abordar os conteúdos programáticos, o professor tem que ter em mente os seguintes pressupostos:

Em vez de explicar os temas de maneira simplificada em demasia, deve “entrar” na cultura juvenil e, a partir daí, criar analogias e metáforas que permitam a todos compreender os conhecimentos em causa. Portanto, o essencial não é tornar tudo demasiado simples, mas sim que todos falem a mesma linguagem.

Todos os alunos devem confiar na pessoa que é o professor. Só é possível “liderar” a turma se todos reconhecerem a integridade e fiabilidade no carácter do docente. Como exemplo, o professor deve procurar nunca mentir seja qual for a pergunta que um aluno faça. A confiança, no meu entender, não é uma atitude que derive da autoridade a-priori, ou seja, o estatuto de professor (que confere alguma autoridade de início) não cria confiança nos alunos por si só. Ganha-se com o tempo, respondendo com integridade aos “testes” que, frequentemente, as crianças colocam.

O professor obterá melhores resultados se conseguir leccionar os conteúdos sem criar nos alunos a sensação de “esforço” ou “sacrifício”. É muito melhor apelar ao envolvimento através de “jogos” e “dramatizações” que, aparentemente, não fazem parte do imaginário escolar (rigoroso e maçador), do que colocar os jovens perante exercícios formais estáticos.

O professor deve mostrar-se acessível aos alunos no que toca à comunicação pessoal. Tal acessibilidade está, em grande parte, dependente do grau de confiança e fiabilidade descritas na alínea 2. Ao confiar no professor, o jovem expõe problemas, dúvidas, sugestões e pareceres, uns referentes aos conteúdos programáticos, outros de carácter extra-escolar. Com esta comunicabilidade, o docente tem acesso à personalidade do aluno e ao mundo social que o envolve (elementos positivos e negativos do meio familiar, do círculo de amigos, etc). O ser acessível não se consegue com um distanciamento excessivo.


Quanto à detecção de dificuldades na aprendizagem, na minha opinião, é de grande utilidade o papel do psicólogo que, a nível particular ou ligado à instituição de ensino, produz descrições dos aspectos sócio-afectivos do aluno. Exceptuando os casos de jovens com acentuadas deficiências cognitivas, a maioria dos casos de insucesso escolar prendem-se, penso eu, com falta de motivação e/ou de auto estima. Como é óbvio, o docente não pode resolver todos os problemas presentes no quotidiano do jovem, qual deus ex machina, que, do topo do cenário teatral, desfaz as contradições e tensões sociais que enredam as personagens. No entanto, se existir a comunicação necessária entre as duas pessoas, o professor e o aluno, em conjunto com as informações dadas pelo encarregado de educação ao director de turma, é possível perceber a(s) causa(s) do insucesso. As dificuldades agudizam-se, isso sim, quando se pretende superar causas com uma origem familiar. Por vezes, a falta de auto estima pode ser resolvida recorrendo ao simples elogio, encorajamento verbal ou desmistificando o carácter sagrado com que muitas vezes os alunos encaram determinado tipo de conteúdos lectivos. Por outro lado, o trabalho do professor é contrariado quando o jovem tem em casa alguém que o diminui na sua auto estima.

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