quinta-feira, outubro 18, 2012

Um Bom Anúncio...



Um bom anúncio deve conseguir criar uma associação na mente do público entre o produto e uma identidade ou emoção. Este processo ocorre sem que o público se aperceba, de forma a receber o conteúdo do anúncio sem resistência crítica. Mais tarde, o sujeito x terá vontade de comprar algo, porque uma determinada emoção ou identidade já está associada ao produto y.


- A ambiguidade entre várias formas de prazer. Quando o bem de consumo tem como principal função dar prazer ao seu consumidor o publicitário procura reforçar esta noção acrescentando outras formas de prazer. Por exemplo, os anúncios de doces (gelados, bombons, etc) estão quase sempre carregados de conotações eróticas. O erotismo tem, necessariamente, que ser implícito uma vez que o que se pretende é aumentar a ideia de prazer em abstracto.
- As cores. Quando se trata de promover um objecto a cor é um assunto importante. Objectos dirigidos ao prazer efémero têm, normalmente, cores quentes (vermelho, amarelo e dourados). Quando se procura que um produto evoque a excelência do progresso científico os tons eleitos são os metálicos (prateados, cromados, etc). O azul e o verde são também muito utilizados pela indústria informática.
- Casar o objecto com uma identidade pessoal. O slogan Só Para Homens é um exemplo de como um after-shave pode ser transformado num símbolo de masculinidade (isto é, de identidade masculina). Uma campanha que eu achei particularmente interessante foi a da citroen envolvendo a modelo Cláudia Schiffer. Eu ouvi várias interpretações simplistas quanto à estratégia por detrás desta campanha. A mais vulgar que eu ouvi foi: “Eles querem que a gente pense que se comprar o citroen xara leva também a Cláudia”. Se a mensagem dos anúncios fosse assim tão directa não teria funcionado. Realmente, a campanha dirigia-se a um público maioritariamente masculino. No entanto, a estratégia era outra. Um dos anúncios terminava com o seguinte slogan: “Citroen Xara, instinto protector!”. Era nesta frase que poderíamos encontrar a verdadeira estratégia publicitária. Todo o enredo do spot procurava transmitir uma ideia de protecção e segurança para o ocupante do automóvel (a Cláudia). No nosso “inconsciente colectivo” a identidade masculina alicerça-se muito na função protectora em relação à mulher. Ao transmitir a ideia que o Citroen Xara é muito protector, a campanha conseguiu transformar um veículo mecânico num símbolo de masculinidade. A modelo Cláudia Schiffer foi bem escolhida, uma vez que cumpre a função de símbolo de feminilidade. Este tipo de estratégias funciona muito bem, uma vez que as pessoas estabelecem ligações (agregam-se) a objectos que têm a sua identidade. Um indivíduo sente-se “mais homem” se adquirir objectos conotados com a masculinidade.
- Os teasers. Um “teaser” é um anúncio com apenas parte da mensagem que se procura transmitir. É um método que visa provocar a curiosidade no sujeito. Pode funcionar, uma vez que capta a atenção e põe o indivíduo a pensar. No entanto, existe sempre o risco de desiludir quando a segunda parte da mensagem for exposta.
- O discurso oral. A publicidade foi buscar aos grandes oradores da história as estratégias para transmitir ideias através da voz. Seja via rádio ou através da voz-off de um anúncio televisivo, o método é quase sempre o mesmo: frases simples e perceptíveis por todos, em alto e bom som, repetidas sucessivas vezes. O tom de voz deve inspirar determinação (enérgico) mas deve ser em simultâneo descontraído e muito apelativo.
- Objectos que criam necessidades. Uma criança que compre uma barbie está necessariamente a comprar também um “conjunto de necessidades”. Mais tarde ou mais cedo, a barbie vai “precisar” de uma panóplia de adereços (roupas, o amigo Ken, etc). Quem compra uma consola de jogos, adquire a “necessidade” de periféricos (manípulos, memórias, câmaras, etc). Neste tipo de objectos, a publicidade procura “demonstrar” ao consumidor o poder que o produto oferece. A necessidade de adquirir objectos acessórios tem a ver com uma lógica de expansão do poder individual. Para a criança que tem uma barbie comprar o Castelo Mágico significa expandir o universo das brincadeiras, ou seja, ter mais poder de opção.
- A credibilidade de uma figura pública. Apresentar num anúncio alguém que é conhecido por todos e usar essa figura para “aconselhar” o espectador é criar uma “garantia” de honestidade («Este tipo não vai mentir porque toda gente o conhece»). Além disso, a figura pública induz um clima de familiaridade que aproxima o espectador do produto publicitado.

sexta-feira, agosto 24, 2012

O Erro de Cecília


O "restauro" do fresco feito por Cecilia Giménez, de 81 anos, ao original de Elías García Martínez está a originar uma verdadeira peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora da Misericórdia de Borja, em Espanha.
            Passada a impressão inicial, a que nos levou a lançar as mãos à cabeça, analisemos este fenómeno com a acuidade que ele merece. D. Cecília, pintora menos do que amadora – infantil até – lançou-se ao restauro com materiais impróprios. Acabou por transformar o original numa imagem completamente diferente, nada realista, uma figura indefinida.
            Os admiradores da pintura de Elias Martínez devem ter ficado chocados. Mas se é verdade que esta idosa de Borja destruiu, não nos será permitido pensar que D. Cecília também criou?
            D. Cecília Giménez destruiu o Passado, uma figura pictórica realista, um retrato definido ao pormenor, representativo; para colocar por cima um Presente, um novo olhar, o seu ponto de vista.
            O que é que está agora no Santuário em Borja? Uma obra danificada ou outra coisa? Depende do ponto de vista, obviamente. Mas seguramente existe agora um novo artefacto: o erro de D. Cecília. Neste momento o erro tem um valor próprio, uma dimensão cultural e já foi apropriado socialmente. Nas redes sociais da Internet há dezenas de milhar de pessoas que se manifestam no sentido de que se mantenha a imagem como está. Centenas de visitantes querem vê-la.
            O erro de D. Cecília tem mais valor (social e, provavelmente, económico) do que a pintura original de Elias Martínez. Foi um erro muito bom. Está a beneficiar o Santuário e a localidade de Borja.

sábado, julho 28, 2012

A Identidade dos Objectos

O objecto é carregado de um valor simbólico como meio de comunicação e, como objecto passa a ser actor social, isto é, a intervir no mundo social que o criou. A existência social de qualquer objecto dá-se pelo posicionamento deste na rede de relações sociais. E é à posição que ocupa que podemos chamar a identidade do objecto. A identidade não é estática. Muito pelo contrário, ela é instável. À medida que a comunidade se altera, os juízos e os comportamentos em relação à obra também se alteram. A inconstância da identidade é bastante visível quando uma determinada peça é deslocada de um contexto para outro. Muda o contexto, muda a identidade. Quem escolhe está, sobretudo, interessado no tipo de sociedade em que vive. A selecção é um acto de aliança e, simultaneamente, um protesto contra um modelo de sociedade indesejado. Neste modelo, cada tipo de cultura é, pela sua natureza, hostil às outras. Todas as culturas coexistem num estado de antagonismo mútuo. Isto é válido para todas as sociedades e todas as épocas.
            Entende-se melhor o juízo do gosto tendo atenção às opiniões negativas. É que, muitas vezes, as pessoas não sabem bem do que é que gostam; mas, por oposição sabem quase sempre do que não gostam. E é por isso que o discurso sobre a fealdade e o repúdio é mais revelador do que os pressupostos de beleza estética. (1)
            Apesar do gosto se apresentar como algo inerente às coisas e às pessoas, as distinções (de bom e mau) são instáveis. Cada objecto pode ser classificado dentro do ‘bom gosto’ e do ‘mau gosto’. O mau gosto é associado ao efémero. O bom ao que perdura.
            O mau gosto é poluição social. O bom e o mau gosto circulam em torno de regras de ‘higiene social’. Nos objectos de ‘mau gosto’ tenta-se promover o aspecto ‘fabricado’ da obra. Sem uma genealogia, os objectos tornam-se ‘menos reais’ e ‘menos autênticos’. São vividos no momento. Uma vez que não conseguimos delinear um percurso temporal da emergência da obra, eles surgem-nos como que ‘caídos de pára-quedas’, transportando apenas o seu carácter de coisa fabricada. São falsos e efémeros.
            Por outro lado, há objectos que têm uma ‘identidade natural’, isto é, parecem que não foram criados por mãos humanas. ‘Encaixam’ no contexto em que aparecem, são mais estáveis e incorporam uma quinta-essência que os torna reais.
            O protesto é um aspecto do consumo que revela a coerência do consumidor. De uma maneira geral, o protesto é uma dimensão fundamental da cultura. Cada cultura acusa as outras permanentemente. Por isso, o comportamento de consumo é inspirado continuamente pela hostilidade cultural. Ao invés de pensarmos no consumo como manifestação das escolhas individuais, devemos vê-lo como o resultado de relações, nas quais o mecanismo da escolha reclama o tipo de sociedade em que se quer viver. Os artefactos são seleccionados por via de uma opção social. São escolhidos por não serem neutros, por não serem tolerados nas formações sociais rejeitadas. O que uns escolhem, outros rejeitam. Numa palavra, a hostilidade está implícita na selecção. “O consumo é uma filosofia de vida”. (2)
            A decisão essencial não ocorre entre tipos de bens materiais, mas sim entre tipos de sociedade, entre as posições sociais disponíveis.
            A semelhança entre dois objectos não explica a metáfora; é a prática de ajuizar dois objectos metaforicamente que constitui a semelhança. Isto porque os objectos não dizem a classe a que pertencem, as propriedades não anunciam semelhanças. São os agentes humanos que criam processos de organização do mundo em que vivem. No seio de um esquema cultural específico, as coisas são definidas por semelhança caso pertençam à mesma classe de critérios. Se os objectos tiverem os critérios necessários à inclusão numa classe comum, partilham uma identidade, têm uma semelhança. (3)

Referência: DOUGLAS , Mary, 1996, The World of Goods, Routledge, London & N.Y (1->p.43-50) (2->p.86) (3->p.128-149)

sábado, julho 14, 2012

Cinco "sentenças" sobre arte


1.      Arte é uma definição cuja aplicação depende de critérios mais ou menos explícitos validados ou não por uma comunidade socialmente reconhecida como detentora de autoridade técnica, interpretativa e institucional.
2.      Estética é o conjunto de práticas de construção e desconstrução de significados que têm por origem a informação sensorial.
3.      As práticas estéticas não são exclusivas de nenhum grupo social em particular. São universais. Fazem parte do sentido que fazemos do mundo circundante e acompanham todas as actividades humanas.
4.      A arte é uma tecnologia, isto é, um domínio específico da actividade humana dirigido à transformação da matéria. Mais, procura transformar a matéria com o intuito de dizer algo. É uma tecnologia de comunicação.
5.    Os objectos reflectem o mundo social circundante. Os critérios formais de cada objecto (as propriedades que o produtor fez nascer e aquelas que o receptor percepciona) são produto dos esquemas cognitivos partilhados pelo grupo que lhe dá vida social. É importante salientar que os padrões que servem para ajuizar a concepção e interpretação de objectos estão presentes em todas as actividades humanas. Isto quer dizer que uma conversa com o vizinho do lado, a aquisição de mobiliário para a sala, fazer o jantar ou pintar um quadro são práticas que dependem da mesma substância cultural. A grelha interpretativa partilhada por pessoas que viveram em circunstâncias similares  e que se exterioriza através de critérios de gosto pode ser encontrada nas mais diversas actividades.