sábado, julho 28, 2012

A Identidade dos Objectos

O objecto é carregado de um valor simbólico como meio de comunicação e, como objecto passa a ser actor social, isto é, a intervir no mundo social que o criou. A existência social de qualquer objecto dá-se pelo posicionamento deste na rede de relações sociais. E é à posição que ocupa que podemos chamar a identidade do objecto. A identidade não é estática. Muito pelo contrário, ela é instável. À medida que a comunidade se altera, os juízos e os comportamentos em relação à obra também se alteram. A inconstância da identidade é bastante visível quando uma determinada peça é deslocada de um contexto para outro. Muda o contexto, muda a identidade. Quem escolhe está, sobretudo, interessado no tipo de sociedade em que vive. A selecção é um acto de aliança e, simultaneamente, um protesto contra um modelo de sociedade indesejado. Neste modelo, cada tipo de cultura é, pela sua natureza, hostil às outras. Todas as culturas coexistem num estado de antagonismo mútuo. Isto é válido para todas as sociedades e todas as épocas.
            Entende-se melhor o juízo do gosto tendo atenção às opiniões negativas. É que, muitas vezes, as pessoas não sabem bem do que é que gostam; mas, por oposição sabem quase sempre do que não gostam. E é por isso que o discurso sobre a fealdade e o repúdio é mais revelador do que os pressupostos de beleza estética. (1)
            Apesar do gosto se apresentar como algo inerente às coisas e às pessoas, as distinções (de bom e mau) são instáveis. Cada objecto pode ser classificado dentro do ‘bom gosto’ e do ‘mau gosto’. O mau gosto é associado ao efémero. O bom ao que perdura.
            O mau gosto é poluição social. O bom e o mau gosto circulam em torno de regras de ‘higiene social’. Nos objectos de ‘mau gosto’ tenta-se promover o aspecto ‘fabricado’ da obra. Sem uma genealogia, os objectos tornam-se ‘menos reais’ e ‘menos autênticos’. São vividos no momento. Uma vez que não conseguimos delinear um percurso temporal da emergência da obra, eles surgem-nos como que ‘caídos de pára-quedas’, transportando apenas o seu carácter de coisa fabricada. São falsos e efémeros.
            Por outro lado, há objectos que têm uma ‘identidade natural’, isto é, parecem que não foram criados por mãos humanas. ‘Encaixam’ no contexto em que aparecem, são mais estáveis e incorporam uma quinta-essência que os torna reais.
            O protesto é um aspecto do consumo que revela a coerência do consumidor. De uma maneira geral, o protesto é uma dimensão fundamental da cultura. Cada cultura acusa as outras permanentemente. Por isso, o comportamento de consumo é inspirado continuamente pela hostilidade cultural. Ao invés de pensarmos no consumo como manifestação das escolhas individuais, devemos vê-lo como o resultado de relações, nas quais o mecanismo da escolha reclama o tipo de sociedade em que se quer viver. Os artefactos são seleccionados por via de uma opção social. São escolhidos por não serem neutros, por não serem tolerados nas formações sociais rejeitadas. O que uns escolhem, outros rejeitam. Numa palavra, a hostilidade está implícita na selecção. “O consumo é uma filosofia de vida”. (2)
            A decisão essencial não ocorre entre tipos de bens materiais, mas sim entre tipos de sociedade, entre as posições sociais disponíveis.
            A semelhança entre dois objectos não explica a metáfora; é a prática de ajuizar dois objectos metaforicamente que constitui a semelhança. Isto porque os objectos não dizem a classe a que pertencem, as propriedades não anunciam semelhanças. São os agentes humanos que criam processos de organização do mundo em que vivem. No seio de um esquema cultural específico, as coisas são definidas por semelhança caso pertençam à mesma classe de critérios. Se os objectos tiverem os critérios necessários à inclusão numa classe comum, partilham uma identidade, têm uma semelhança. (3)

Referência: DOUGLAS , Mary, 1996, The World of Goods, Routledge, London & N.Y (1->p.43-50) (2->p.86) (3->p.128-149)

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