O objecto é carregado de um
valor simbólico como meio de comunicação e, como objecto passa a ser actor
social, isto é, a intervir no mundo social que o criou. A existência social de
qualquer objecto dá-se pelo posicionamento deste na rede de relações sociais. E
é à posição que ocupa que podemos chamar a identidade do objecto. A
identidade não é estática. Muito pelo contrário, ela é instável. À medida que a
comunidade se altera, os juízos e os comportamentos em relação à obra também se
alteram. A inconstância da identidade é bastante visível quando uma determinada
peça é deslocada de um contexto para outro. Muda o contexto, muda a identidade.
Quem escolhe está, sobretudo, interessado no tipo de sociedade em que vive. A
selecção é um acto de aliança e, simultaneamente, um protesto contra um modelo
de sociedade indesejado. Neste modelo, cada tipo de cultura é, pela sua
natureza, hostil às outras. Todas as culturas coexistem num estado de
antagonismo mútuo. Isto é válido para todas as sociedades e todas as épocas.
Entende-se melhor o juízo do gosto
tendo atenção às opiniões negativas. É que, muitas vezes, as pessoas não sabem
bem do que é que gostam; mas, por oposição sabem quase sempre do que não
gostam. E é por isso que o discurso sobre a fealdade e o repúdio é mais
revelador do que os pressupostos de beleza estética. (1)
Apesar do gosto se apresentar como
algo inerente às coisas e às pessoas, as distinções (de bom e mau) são
instáveis. Cada objecto pode ser classificado dentro do ‘bom gosto’ e do ‘mau
gosto’. O mau gosto é associado ao efémero. O bom ao que perdura.
O mau gosto é
poluição social. O bom e o mau gosto circulam em torno de regras de ‘higiene
social’. Nos objectos de ‘mau gosto’ tenta-se promover o aspecto ‘fabricado’ da
obra. Sem uma genealogia, os objectos tornam-se ‘menos reais’ e ‘menos
autênticos’. São vividos no momento. Uma vez que não conseguimos delinear um
percurso temporal da emergência da obra, eles surgem-nos como que ‘caídos de
pára-quedas’, transportando apenas o seu carácter de coisa fabricada. São
falsos e efémeros.
Por outro lado, há objectos que têm
uma ‘identidade natural’, isto é, parecem que não foram criados por mãos
humanas. ‘Encaixam’ no contexto em que aparecem, são mais estáveis e incorporam
uma quinta-essência que os torna
reais.
O protesto é um aspecto do consumo que
revela a coerência do consumidor. De uma maneira geral, o protesto é uma
dimensão fundamental da cultura. Cada cultura acusa as outras permanentemente.
Por isso, o comportamento de consumo é inspirado continuamente pela hostilidade
cultural. Ao invés de pensarmos no consumo como manifestação das escolhas
individuais, devemos vê-lo como o resultado de relações, nas quais o mecanismo
da escolha reclama o tipo de
sociedade em que se quer viver. Os artefactos são seleccionados por via de uma
opção social. São escolhidos por não serem neutros, por não serem tolerados nas
formações sociais rejeitadas. O que uns escolhem, outros rejeitam. Numa
palavra, a hostilidade está implícita na selecção. “O consumo é uma filosofia
de vida”. (2)
A decisão essencial não ocorre entre
tipos de bens materiais, mas sim entre tipos de sociedade, entre as posições
sociais disponíveis.
A semelhança entre dois objectos não
explica a metáfora; é a prática de ajuizar dois objectos metaforicamente que
constitui a semelhança. Isto porque os objectos não
dizem a classe a que pertencem, as propriedades não anunciam semelhanças. São
os agentes humanos que criam processos de organização do mundo em que vivem. No
seio de um esquema cultural específico, as coisas
são definidas por semelhança caso pertençam à mesma classe de critérios. Se os
objectos tiverem os critérios necessários à inclusão numa classe comum,
partilham uma identidade, têm uma semelhança. (3)
Referência: DOUGLAS , Mary, 1996, The World of Goods, Routledge, London & N.Y (1->p.43-50) (2->p.86) (3->p.128-149)
Sem comentários:
Enviar um comentário