segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Acerca do Juízo Estético

Lembram-se, concerteza, do filme A Mosca. Neste filme, acho particularmente interessante uma cena em que o cientista (Jeff Goldblum) se encontra frustrado com o facto da sua máquina de teletransporte não conseguir reconstruir um organismo de forma coerente. O problema estava no computador que não tinha a capacidade extrair um significado holista, um sentido, do amontoado de fórmulas que compõem a química de um organismo. Só depois de fazer amor é que o cientista tem um insight e diz uma frase espantosa : «O computador tem que sentir o gosto da carne».
Porque razão o computador não conseguia "sentir" a carne? O que haverá afinal de característico no juízo estético?
Na minha opinião, o juízo estético vai buscar um tipo particular de inteligência que é a intuição. Ora a intuição é uma adaptação cognitiva que visa dar conta de realidades complexas para as quais os aforismos racionalistas são limitados. O que eu quero dizer é que os mecanismos conscientes da razão não conseguem lidar com realidades com um carácter caótico, isto é, sistemas extremamente complexos. Como o processo de elaboração de um aforismo depende de um paradigma orientador e de um método mais ou menos rígido, quando a realidade sensorial “não encaixa” dentro de um esquema conceptual, a razão vê-se confrontada com o absurdo. Daí que as artes têm maneiras de lidar com o problema da contradição que escapam às chamadas “ciências exactas”. O paradoxo (termo muitas vezes utilizado pejorativamente para exprimir a impotência perante dois paradigmas contraditórios) e o oxímoro (a contradição utilizada com fins estilísticos) são recursos utilizados em áreas do conhecimento que não procuram a lógica linear do racionalismo. É de notar que mesmo o conceito de antítese (utilizado na fenomenologia hegeliana) aparece num contexto que procura um telos, procura ir em direcção a algo, ainda que o movimento seja dialéctico. O problema é que a razão consciente não consegue dar sentido a sistemas caóticos. É aqui que surge o juízo estético. O juízo estético não procura o aforismo, procura um “sabor”, um “gosto” cuja representação não pode ser operacionalizada pela construção de uma lógica linear. A representação do “infinitamente complexo” recorre a mecanismos de evocação como a metáfora. O “infinitamente complexo” não pode ser explicado, tem que ser evocado.

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