Enquanto trabalhava no norte de Portugal, conheci um carteiro
aposentado, proprietário de uma pequena quinta, que cultivava com as
suas próprias mãos. Tinha uma expressão facial afável, desgastada pelo
tempo e pelo trabalho duro sob a agrura do frio húmido que se faz sentir
na região. Esboçava um sorriso tímido, de vez em quanto. Não era homem
de grandes espalhafatos nem de expressões abertas. Era geralmente
reservado, excepto quando já tinha ganho alguma confiança com a pessoa
recém-chegada. E então gostava de falar da sua terra, aquela mesma que
habitava desde o nascimento, dos seus antepassados de origem humilde e
dos hábitos quotidianos. Quem apenas o ouvisse, sem estar atento aos
seus actos, ficaria convencido que aquele homem não se regia por moral
alguma. Nunca o ouvi falar do bem e do mal, nem de expressões julgadoras
ou do dever de quem quer que seja. Era preciso estar mesmo atento ao
dia-a-dia daquele Ser para o entender. Levantava-se de manhãzinha (com
um frio gélido) para ir sozinho a Igreja mais próxima praticar as suas
orações, confessar-se a Deus e reafirmar a sua lealdade perante o
Todo-Poderoso. Depois, voltava à quinta ou, se alguém necessitasse da
sua ajuda (ainda que fosse um estranho), dedicava toda a manhã ao
trabalho. Não era um homem fisicamente robusto, mas vi-o muitas vezes
empregar todas as suas forças para ajudar a carregar fardos pesados.
Cultivava a terra com as suas próprias mãos, ou seja, sem a ajuda de
aparelhos agrícolas sofisticados que hoje em dia permitem executar
tarefas num piscar de olhos. A verdade é que ele gostava de mexer na
terra. Mexia nos torrões como se fizessem parte do seu corpo, com o
mesmo amor com que um pai acaricia os pés do filho.
A caça e a apicultura faziam também parte dos seus afazeres. Partilhava sempre com os amigos o produto destas actividades. Ainda hoje me recordo do sabor do mel e das lebres que ele me ofereceu.
Nunca o vi fazer mal a quem quer que seja, mas assisti ao perdão espontâneo que lhe saía naturalmente dos olhos quando alguém o prejudicava.
Era praticamente analfabeto, mas sabia tudo o que precisava saber. Sabia quem era e onde estava, sabedoria essa que nem todos partilhamos. Não tinha opiniões nem causas políticas, mas tinha raízes. Nunca conheci outro ser humano tão coerente.
Quando me lembro de certos senhores cheios de conhecimentos livrescos, de vaidade intelectual, de insuficiências e frustações que tentam mascarar com um “estatuto”, vêm-me à ideia aquele homem telúrico, mil vezes mais Feliz do que o mais granjeado intelectual.
Há mais verdade num homem que cultiva a terra com as suas próprias mãos do que no mais erudito discurso patriótico. Quem se orgulha dos livros que leu, baixe os olhos e reflicta se não teria mais valor uma tendinite adquirida a ajudar o próximo.
A caça e a apicultura faziam também parte dos seus afazeres. Partilhava sempre com os amigos o produto destas actividades. Ainda hoje me recordo do sabor do mel e das lebres que ele me ofereceu.
Nunca o vi fazer mal a quem quer que seja, mas assisti ao perdão espontâneo que lhe saía naturalmente dos olhos quando alguém o prejudicava.
Era praticamente analfabeto, mas sabia tudo o que precisava saber. Sabia quem era e onde estava, sabedoria essa que nem todos partilhamos. Não tinha opiniões nem causas políticas, mas tinha raízes. Nunca conheci outro ser humano tão coerente.
Quando me lembro de certos senhores cheios de conhecimentos livrescos, de vaidade intelectual, de insuficiências e frustações que tentam mascarar com um “estatuto”, vêm-me à ideia aquele homem telúrico, mil vezes mais Feliz do que o mais granjeado intelectual.
Há mais verdade num homem que cultiva a terra com as suas próprias mãos do que no mais erudito discurso patriótico. Quem se orgulha dos livros que leu, baixe os olhos e reflicta se não teria mais valor uma tendinite adquirida a ajudar o próximo.