«Às
hodiernas sociedades colocam-se questões de extrema complexidade
relativamente às quais é possível elencar poderosos e argutos argumentos
quer a favor de uma determinada orientação quer em defesa da posição
oposta. Basta ter presente os inúmeros e rigorosos debates realizados e
os rios de tinta consumidos acerca de temas como o aborto, o casamento
entre pessoas do mesmo sexo, a eutanásia, a clonagem, o testamento
vital, etc., etc…
O
tema, objecto do presente artigo, é também ele genitor de enorme
controvérsia. Com efeito, há quem defenda, de forma entusiasta, o Acordo
Ortográfico e quem, por seu turno, o rejeite acerrimamente.
Vejamos,
muito sucintamente, quais os principais argumentos invocados pelos que
defendem o Acordo Ortográfico: 1º Assegurar a unidade da língua
portuguesa entre todos os países que a têm como oficial com o objectivo
de a fortalecer; 2.º Simplificar a escrita; 3.º Contribuir para a
difusão internacional do português.
No
que concerne ao 1º argumento, diremos que tal ilação é inverídica,
porquanto a projecção de uma língua não depende de uma união
ortográfica, mas de muitos factores. Basta ter presente que o inglês
ostenta variadas divergências quer gráficas quer não-gráficas entre os
países onde é falado, o que não obstou a que se tornasse, de forma
natural e não espartilhada (o que esperanto, em vão, tentou) a língua
internacional por excelência.
No
que tange ao 2º argumento, há que convir que a utilização de duplas ou
múltiplas grafias possíveis no interior de cada país, que o Acordo
Ortográfico incongruentemente permite, em vez de simplificar, dá lugar
ao livre arbítrio por parte de cada cidadão na escolha da grafia, pondo
em causa o próprio conceito normativo de ortografia.
Direi,
por outras palavras, que o Acordo Ortográfico visa a uniformidade ou
unificação da grafia na língua portuguesa e, simultânea e
incoerentemente, viabiliza a sua diversidade no seio de cada país.
Relativamente
ao 3º argumento a favor do Acordo Ortográfico, há que reconhecer que
não é a existência de divergências ortográficas que impedem a sua
expansão.
Há,
outrossim, que reconhecer que o gérmen do Acordo in causa revelou-se
mais político do que linguístico, tendo-se manifestado interesses
empresariais brasileiros, nomeadamente no domínio do mercado editorial
da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Mas
uma coisa é certa: não é com a unidade da ortografia que o Brasil e os
restantes países da CPLP passam a adquirir maior número de publicações a
Portugal. E acresce que, com o Acordo Ortográfico, as editoras
portuguesas que já se encontram numa situação de extrema fragilidade,
confrontar-se-ão com as suas publicações “desactualizadas”.
Censuram
os apologistas do Acordo Ortográfico que não entendem os opositores,
porquanto a grafia da língua portuguesa tem evoluído. Mas tal argumento é
inconsistente: na realidade, a língua portuguesa tem evoluído ao longo
da sua existência, mas paulatinamente e por razões internas ― verdadeira
evolução! ―, e não imposta do exterior, como ora se pretende.»
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